As mulheres do meu pai


Ontem teve lançamento do novo livro de Agualusa por aqui, "As mulheres do meu pai". Ainda não comecei. Estou guardando para ler no avião, na volta. Pelas primeiras linhas me parece mais um brilhante exercício de imaginação. Nesse período aqui, já li boa parte da sua obra e o que eu mais gosto em seu estilo, consistente e sempre inventivo, é a capacidade de criar personagens e nos fazer acreditar nelas profundamente. É quase como ler uma biografia de alguém real. E para potencializar esse dom de convencimento, Agualusa faz questão de inserir, em notas de rodapé, dados, fontes, datas relativas a ações dessas personagens. Essa tecnica é levada ao extremo em "Estação das chuvas", seu livro de 96, onde somos impelidos a submergir na história de Lidia do Carmo Ferreira, que se confunde com a própria história de Angola. O transporte no tempo é imperativo e instantâneo. Impressionante também é, em "O vendedor de passados", a maneira como ele, não contente em "iludir" o leitor, faz o mesmo com uma personagem, que engana a si própria com a história que ela inventou e na qual ela acredita cegamente. Ou seja, ele nos faz crer numa história que não é de ninguém...na personagem da personagem. Uma mentira absurda na qual mergulhamos de cabeça prazeirosamente. Espero muito desse livro, mas, por hora, me atrevo apenas a exibir orgulhosamente a dedicatória que ganhei.

Pense

Essa foto e a do post anterior são de Edson, câmera que trabalha aqui. E são muito boas.

Daqui de cima.


Daqui, do alto de um prédio qualquer do Maculusso, observo a cidade ser envolvida por um calor que deixa tudo apático e sonolento, o dia brilha sua luz intensa e cheia de polaridades. As nuvens do cassimbo agora são uma lembrança distante. Lá em baixo, sob o sol nervoso, as zungeiras destilam conversas enquanto calmamente vendem frutas, imunes a tudo. Passantes observam e seguem os seus destinos diários. Um homem de fato azul escuro sonha com a neve sob o sol de 40graus. Perto do Natal todos os sonhos costumam virar realidade, mesmo aqui, em Luanda, onde tudo é beleza e caos, e onde esses elementos se alinham numa métrica única, numa dissonância quase melódica. Cada passo da multidão lá embaixo é um metrônomo que rege essa musica urbana feita de torres, guindastes, tratores, máquinas e gente apressada. São apenas 4 horas desde o último sono, despertado ainda cedo, mas, lá embaixo, a cidade. Essa realidade que carrega um grau de distopia tão grande, uma anomalia social de difícil entendimento. Nessa interzona, onde emoções e sentimentos se constroem e se desfazem com uma rapidez vertiginosa, os olhos são levados a caminhos que desaguam em outros e outros tornando-se muitas vezes dúvidas e labirintos, mais do que certezas. Mas lá embaixo, a cidade. E só a cidade.


Kuduro

Foi em uma escola da periferia, que oferece formação em diversos cursos profissionalizantes para os alunos carentes, que Maira fez essas imagens que achei bem legais e quis colocar aqui. A música que toca não é propriamente um kuduro, mas os passos do dançarino é.


Com iogurte e com afeto ; )

Não sou perfeito. Angola também não é. Por isso, apesar de tudo estar correndo bem, tem horas que dá vontade de ir embora. Pegar o primeiro voo e parar de viver em terra estrangeira. Sem nenhum motivo particular. Simplesmente porque dá vontade mesmo e aí fica difícil controlar. Quem já passou muito tempo fora sabe como é isso. Aconteceu hoje, às 4:30 da manhã. Foi a hora em que alguns problemas resolveram dar uma passadinha pela cabeça, como um grupo que sai para fazer uma grande farra, entra num bar, faz a maior algazarra e horas depois vai embora de forma tão repentina quanto chegou. Ainda bem que às 6:00 tudo já tinha passado. Desci e fui direto para a geladeira comer alguma coisa.



Uma das coisas que eu mais gosto é iogurte. Como café faz mal pro meu estômago, me acostumei com suco ou iogurte no café da manha. E isso faz quase 20 anos. Em todo esse tempo, devo ter tomado uns 5 capuccinos, para não dizer que não tomei nenhum tipo de café. Quando fui ao supermercado pela primeira vez aqui, uma das coisas que mais me deixaram intrigados foi o fato do iogurte ficar fora das prateleiras refrigeradas. Achei que fosse coisa daquele supermercado em particular. Mas indo a outros mercados, pude ver que o procedimento normal por essas bandas é esse. “Estranho…imagino que deva estragar rapidinho”. Que nada! Dia desses, conversando com colegas daqui do trabalho, soube que é justamente o contrário. O iogurte aqui TEM que durar mais. Como é importado de outros países e a burocracia aqui é muita para os produtos saírem do porto, as empresas que fabricam para cá, põem uma dose a mais de conservante para que o iogurte dure suficiente para aguentar o desembaraço do processo. E imagino que outra dose para que aguente mais um tempo no mercado fora do balcão refrigerado. Das primeiras vezes tive medo. Evitei. Mas ontem descobri uma marca francesa muito boa. Tem iogurte de manga, abacaxi e outros muito bons. Posso não entender muito de vinhos, mas de iogurte eu conheço…
Junto com o iogurte, estou lembrando agora de outra larica bastante requisitada aqui no trabalho no fim de tarde: chocolates Cadbury. Costumava comer muito biscoito dessa marca quando morava em Londres. Aqui reencontrei-a em forma de barras de chocolate justamente no mercadinho aqui ao lado do trabalho. Só é preciso segurar a vontade, pois a academia custa U$ 100 e não dá para jogar uma grana dessas pela lata do lixo….Não sei bem porque escrevi este post falando sobre pesadelo e comida, mas é que bateu uma fome agora e acho que vou descer no mercadinho e comprar uma barra de…


No viagem


Para nossa alegria, mais pessoas vão poder conhecer um pouco da praia do Sangano. É que estamos mais uma vez no Viajenaviagem. Quem quiser conferir é só clicar aqui.

Sangano e as praias irmãs

Assim como existe o conceito de cidades irmãs, poderia ser inventado também o de praias irmãs. Desse modo, poderíamos declarar Sangano como praia irmã da Pipa, RN (ou de Arraial D’Ajuda ou alguma praia escondida do Ceará). A princípio, o parentesco pode parecer distante, mas não esqueçamos que um dia estivemos unidos por em um só continente.

Em Sangano, tudo atrai a mira do olhar de uma forma quase plástica. A primeira visão evidencia as cores e formas da natureza de uma maneira intensa. Seus paredões de falésias são impressionantes, grandiosos. O mar, tranquilo, dá boas vindas a quem olha do alto.

A após quase 2 horas de estrada, bem conservada e muito bonita, por sinal, a recompensa é mais do que válida. O mar é agradável, bom para nadar, a areia é fina e as ondas ótimas para quem gosta de um bom banho.

No quesito colorido, Sangano difere das suas irmãs brasileiras pelo tom mais amarelado da sua terra, mas a beleza, com certeza, faz jus ao parentesco.

O local tem uma boa infra para quem quer parar lá por mais tempo, já que conta com hotéis, restaurante e bares. A colônia de pescadores, que fica ao lado, não chega a ser uma cidadezinha, mas tem uma população tranquila e simpática.

Acordar cedo, fugir do trânsito, que aqui é caos, fazer as ligações para juntar a turma e finalmente cair na estrada. Tudo valeu a pena. O último fim-de-semana me levou para um lugar de beleza impressionante, memorável pela imponência e grandiosidade.




Praia do Sangano - II








Miradouro da Lua


Barra do Kwanza, Sangano e Miradouro da Lua. Mais alguns lugares espetaculares para conhecer aqui em Angola. Já estava na hora…Depois de ter ficando em casa no domingo anterior e, consequentemente, sem muito assunto e fotos para um novo post aqui, ontem foi possível dar uma descontada. Valeu muito a pena.




O Miradouro da Lua é um dos lugares mais impressionantes que já conheci. Com sua paisagem desoladoramente lunar, lembra um cenário de ficção científica só que com um mar imenso por trás. A altura do mirante chega a ser vertiginosa de tão alta.



Bem, fotos não dão a dimensão do que é esse lugar. Teria que ser uma puta câmera, com uma puta lente e, óbvio, clicada de um helicóptero. Mas infelizmente a viagem não conta com patrocínio para essa super produção.


Musicas e livros para viagem

“A viagem não começa quando se percorrem as distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores. A viagem acontece quando acordamos fora do corpo, longe do último lugar onde podemos ter casa.” Mia Couto, O outro pé da sereia.


Ontem eu dormi pensando que apesar da distância dos grandes centros, todas as dificuldades de acesso e a qualidade da banda larga, que não ajuda, nunca ouvi tantos sons legais e diferentes quanto nesse curto período que estou aqui. Nessa jornada, a música tem sido companhia fundamental e cada vez mais presente em todos os momentos. Não falo só de música angolana, que estou apenas começando a conhecer - tendo cuidado para separar o joio do trigo para não enterrar o pé no terreno movediço do "exótico" -, mas de todo tipo de música. Tenho a sorte de trabalhar em uma sala onde todos ouvem, gostam de conhecer e de trocar novos sons. E isso, de certa forma, ajuda a deixar o ambiente mais tranquilo e faz o trabalho faz fluir com mais leveza.

Um cara que eu tenho ouvido muito é Just Jack. Recomendo e sei que vai, em breve, fazer a cabeça de muita gente. O álbum Overtunes, recém lançado, é pop e é perfeito. O cara não se apega muito a nenhum estilo e passeia por várias influências. São melodias solares com letras muito boas. Os hits são I talk Too Much, Life Story e a sensacional Mourning Morning. Outra descoberta, que para muita gente já é “das antigas”, mas para mim é novidade é Lokua Kanza. Ele nasceu no Congo, tem profundidade musical, estudou os clássicos, já tocou no Brasil e faz músicas de uma beleza impressionante, como Kumba Ngai e Sallé. É ouvir e levitar. Junto com esses, tenho ouvido muito também bandas como Glass Candy, Professor Genius, Boss AC (de Cabo Verde, muito bom) e, do Brasil, The Twelves e Kassim +2. Tem tudo no soulseek, no emule e no myspace.

Junto com a música os livros. E depois de “Quem me dera ser onda”, um livro-quase-um-conto leve e divertido do angolano Manoel Ruy, quem está mandando no criado mudo agora é o “O outro pé da sereia”, do escritor moçambicano Mia Couto. A profundidade e beleza da sua narrativa cheia de poesia e de imagens desconcertantes e a capacidade de inverter o pensamento do leitor, fazendo-o olhar de outro ângulo situações corriqueiras, estão me impressionando muito. Sem contar que a história dos personagens é mesmo sensacional: a relação de Mwadia, que tinha “corpo de rio e nome de canoa” e Zero, que tem em seu pescoço cicatrizes que ele diz serem guelras, herança da metade de sua alma que é peixe. Nessa história, aculturação, crenças antigas, mistérios de serias e padres, busca da identidade cultural e referências à colonização africana se misturam num romance que, com certeza, merece todos os prêmios que vem ganhando. Altamente recomendado.

Paulo Flores no Elinga

Apesar de ser dj e estar acostumado com o universo da noite, devo confessar que não tenho mais idade nem energia para jacas homéricas e afters intermináveis. Para ser sincero, ainda não sei se fico totalmente à vontade na noite. Apesar da prática nesses anos todos. Aqui em Angola, pelo menos em Luanda, a noite é uma instituição. As pessoas gostam de sair e saem profissionalmente. Após um período longo de instabilidade e guerra é normal que queiram celebrar. Lugares não faltam e a farra que começa à noite pode terminar na tarde do outro dia. Para os mais animados, vale a emenda já que muitos insistem em não acreditar que a noite acabou. Pra mim, uma bom programa no sábado foi assitir ao show de Paulo Flores. Ele com certeza está entre os mais populares músicos aqui de Angola. Suas letras celebram a vida, refletem o dia-a-dia do país, a paz recém conquistada, mas sem esquecer das mazelas que afligem a maior parte da população que aqui vive. Já cantou com Gil, fez show no Pavilhão Africano da Bienal de Veneza e aqui é bastante respeitado por seus pares. Sua música é calcada em ritmos locais como o semba. Sábado passado tive a sorte de ver um show dele. Muito bom. O show fazia parte de um evento cultural com performances e instalações. A intenção era ser intimista, mas não demorou muito e a plateia já estava dançando.


O concerto foi no Elinga. O primeiro bar que fui por aqui. Um lugar muito legal, que funciona como bar e centro cultural frequentado normalmente pelo povo mais alternativo. O local possui um teatro, onde acontecem peças e shows, mas fez fama mesmo pelo bar, que abre de quinta a sábado, onde é possível ouvir dub, reggae, dnb, house, techno e o que mais passar pela cabeça do dj que estiver tocando no dia.


É nós na fita

Vocês acreditam que o nosso humilde blog foi parar no blog de turismo mais legal do Brasil? Pois é. Estamos no Viaje na Viagem, de Ricardo Freire, ex-redator da W/Brasil e, já faz bastante tempo, viajante e blogueiro de mão cheia. Para comemorar, mais algumas fotos do Mussulo. Ah, o link do Viaje já está no Vavê.










Salvo pelo Mussulo


Depois de uns dias lutando contra um vírus de computador que encheu meu saco aqui, atrasando inclusive esse novo post, tudo que eu precisava era de um fim-de-semana tranquilo, inconsequente e sem maiores preocupações. De preferência em um lugar bem interessante, que eu ainda não conhecesse. Um paraíso com praias desertas, águas transparentes, areia fina, uma baia com mar calmo de um lado e do outro, mar aberto com boas ondas para quem gosta de surf ou pegar jacaré. Difícil? Pode ser. Mas isso existe e se chama Mussulo. Não é nenhum segredo de estado, nem um daqueles lugares escondidos com acesso complicado. Pelo contrário, o Mussulo é uma ilha que fica a apenas 15 minutos de barco de Luanda e é um dos balneários preferidos do povo por aqui. O que faz ela ser ainda mais perfeita é a sua beleza natural, ainda pouco degradada, apesar de estar tão perto da cidade.

Pois bem, sai-se de Luanda para ir ao Mussulo da mesma maneira da que se atravessa de Valença para Morro de São Paulo: de barco. No estacionamento onde se deixam os carros, pode rolar uma certa confusão por conta dos putos que se oferecem para tomar conta do veículo. No pier, você negocia o preço com os barqueiros que vão levar você (pagamos 800 Kwanzas ida e volta). Mas a dica é só pagar na volta com o serviço completo para evitar frequentes “malentendidos”.
A sensação ao chegar é de um lugar que mistura Boipeba com Ilha do Frades. Já na chegada do barco ao pier, você cai direto em um bar muito legal, o Bassulo. Espreguiçadeiras confortáveis, mar limpo e tranquilo com profundidade e temperatura perfeitas para nadar ou dar apenas um bom mergulho são as maiores atracões do lugar. A música também estava muito boa: som lounge e até um pouco de minimal house cheguei a ouvir. O único senão e a rapidez do serviço. Se você conhece o nível de velocidade “Dorival Caymmi”, acredite, pode existir algo ainda mais lento. Mas existe mais diversão para além do Bassulo. Você pode escolher alugar um jet sky (para quem gosta) ou fazer longas caminhadas pela praia, que é mais a minha. Para se ter uma ideia do nível de preservação, você caminha na praia inteira pisando em siris de tamanho razoável e, colocando a mão na areia, você pega fácil, fácil dezenas de mabangas, um crustáceo que é primo da nossa lambreta – em apenas 1 hora pegamos mais de 10 kg, sem brincadeira nem o menor esforço. Apesar de ter uma bela área de mangue, a praia tem areia branca e fina. Outro bom programa é atravessar a ilha e chegar ao outro lado, onde o mar é aberto e as ondas generosas. Não o fiz porque o sol estava de rachar e trazer protetor solar não era nem a última das minhas preocupações antes de viajar.

O Mussulo salvou meu domingo e me levou para o lado de Angola que eu quero conhecer bem mais: o das belezas naturais, em busca de um pouco de tranquilidade que se contraponha à opressão urbana cinzenta que, às vezes, é tão forte nessa cidade.


Estou acrescentando mais dois links ao Vavê. São blogs de amigos. O primeiro deles é o Eu tava aqui pensando e blábláblá, de Cury, que o povo da música aí de Salvador já conhece bem. Cury tem um texto muito legal. É sempre divertido e ótimo contador de histórias. Tá lançando livro em breve. O outro é de Daniel, planejador mais que competente e que apesar de ter começado recentemente como blogueiro, tem se mostrado bastante prolífico e com uma antena giratória apontada para captar muitos movimentos em diversas áreas. É o Em Ítaca. Podem clicar que valem a pena. Por último, esse post é dedicado a Ubaldo, que faz aniversário hoje. Parabéns e um conselho: guarde o meu caruru.

16 Toneladas Angola


Daqui de Angola, Maira, que junto com Mário Sartorello, comanda o programa 16 toneladas (Educadora FM), fez uma edição especial do programa só com sons do país. O repertório abrange diversos ritmos diferentes e artistas que fazem sucesso por aqui. Dá para ter uma boa noção do que é esse país musicalmente e constatar as semelhanças com a musicalidade caribenha e baiana. O programa está dividido em 2 partes. Basta clicar no link abaixo para ser transportado para minha página no podomatic e ouvir. Aos poucos vou tentar fazer seleções de coisas interessantes que ouço e postar aqui.

Luvas brancas e a cidade da varanda do Fino

Tem uma história perversa a lei que obriga os policiais de trânsito daqui a usarem luvas brancas. Se você vir algum policial sem essa peça, pode ter certeza que ele está infringindo a lei que remonta aos tempos de colônia e foi feita, óbvio, pelos portugeses. A regra era simples: dizia que negros não poderiam tocar documentos dos brancos sem a luva. Para fazê-lo, somente com as luvas brancas. Os portuguêses foram embora ha mais de 30 anos. Estranhamente, a lei permanece.


O Fino do título é um editor gente fina, com trocadilhos, que está aqui ha mais ou menos 5 anos e que nesse domingo fez um chá de casa nova. O cara agora mora em um apartamento de último andar onde foi possível fazer as fotos acima. Em breve posto mais. Bom dia para todos!

Cacoaco


É setembro. Por aqui, o cassimbo está quase no fim, mas insiste em adiar a sua despedida. Os dias permanecem nublados por um cinza que contrasta com o rosa-salmão das casas antigas. O sol da nova estação espreita e, aos poucos, vai com moderada obstinação tentando surgir em pequenas frestas. Aqui e ali, é possível ver uma luz diferente da dos últimos dias. Ela é mais frequente agora. Mas dura apenas alguns momentos. Prenúncios de um verão que todos aguardam ansiosamente. Hoje estou reunindo as memórias como quem arruma uma casa nova, cheia de lembranças de um tempo que ainda está por vir. É estranho como ocupamos o nosso tempo quando estamos distantes. São pequenas fugas para que a gente não possa nunca se anoitecer.



Estar longe de casa é ser forte e vulnerável ao mesmo tempo. É existir sendo sempre o outro. Objeto de olhares e desconfianças. É ser colocado em um mostruário para que todos notem as diferenças. E se ver por outros olhos enquanto se é constantemente visto e transformado.




Os rostos na direcção contrária das calçadas às vezes parecem dizer “simplesmente não pergunte, apenas observe, veja, adivinhe”. Outros se abrem como um sol porque justamente buscam algum contato, experiências diferentes e complementares. Finalmente entendo que fronteiras são realidades ilusórias. Atravessá-las é deixar para trás um pouco de si e abrir espaços, antes inexistentes, de compreensão do outro. É lá que negociamos com nós mesmo e com esses “outros” a dimensão da nossa empatia. O quanto queremos esquecer de “lá” para estar “aqui”. No começo é difícil, mas a inconstante felicidade da adaptação depende de derradeiros movimentos como esses.


As fotos são da feira do Cacoaco. É uma espécie de Sete Portas daqui. É padronizada, tem infra, estacionamento, espaço ordenado, mas, ainda assim, um lugar interessante de se visitar. Pode não ser tão original como as de Benfica (bem focada em artesanato) e Roque Santeiro (uma mega São Joaquim local onde é possível encontrar de tudo), mas é um bom passeio quando a intenção é comprar ingredientes para uma moqueca de domingo para relembrar a casa e reunir os amigos.