Cacoaco


É setembro. Por aqui, o cassimbo está quase no fim, mas insiste em adiar a sua despedida. Os dias permanecem nublados por um cinza que contrasta com o rosa-salmão das casas antigas. O sol da nova estação espreita e, aos poucos, vai com moderada obstinação tentando surgir em pequenas frestas. Aqui e ali, é possível ver uma luz diferente da dos últimos dias. Ela é mais frequente agora. Mas dura apenas alguns momentos. Prenúncios de um verão que todos aguardam ansiosamente. Hoje estou reunindo as memórias como quem arruma uma casa nova, cheia de lembranças de um tempo que ainda está por vir. É estranho como ocupamos o nosso tempo quando estamos distantes. São pequenas fugas para que a gente não possa nunca se anoitecer.



Estar longe de casa é ser forte e vulnerável ao mesmo tempo. É existir sendo sempre o outro. Objeto de olhares e desconfianças. É ser colocado em um mostruário para que todos notem as diferenças. E se ver por outros olhos enquanto se é constantemente visto e transformado.




Os rostos na direcção contrária das calçadas às vezes parecem dizer “simplesmente não pergunte, apenas observe, veja, adivinhe”. Outros se abrem como um sol porque justamente buscam algum contato, experiências diferentes e complementares. Finalmente entendo que fronteiras são realidades ilusórias. Atravessá-las é deixar para trás um pouco de si e abrir espaços, antes inexistentes, de compreensão do outro. É lá que negociamos com nós mesmo e com esses “outros” a dimensão da nossa empatia. O quanto queremos esquecer de “lá” para estar “aqui”. No começo é difícil, mas a inconstante felicidade da adaptação depende de derradeiros movimentos como esses.


As fotos são da feira do Cacoaco. É uma espécie de Sete Portas daqui. É padronizada, tem infra, estacionamento, espaço ordenado, mas, ainda assim, um lugar interessante de se visitar. Pode não ser tão original como as de Benfica (bem focada em artesanato) e Roque Santeiro (uma mega São Joaquim local onde é possível encontrar de tudo), mas é um bom passeio quando a intenção é comprar ingredientes para uma moqueca de domingo para relembrar a casa e reunir os amigos.

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